
Toponímia
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Querida avó, Sempre tive curiosidade em saber quem foi a pessoa que deu nome à rua onde vivo. De momento, vivo em Lisboa, numa rua que tem o nome de um militar e político português,
presidente do Conselho de Ministros que viveu na época da D. Maria II. A toponímia de cada local procura mostrar, com a atribuição de nomes a ruas, a vontade de fazer perpetuar uma
identidade ou um acontecimento histórico que importa ter em consideração. No entanto, como sabes, não é igual em todos os concelhos. Em Lisboa, por ex., só dão nomes a ruas a pessoas que já
morreram. O mesmo não acontece noutros concelhos. Não deve haver cidade, vila, aldeia, freguesia, lugar, neste país, que não tenha uma avenida, alameda, rua, ruela… com o nome “25 de abril”.
Vivi numa durante longos anos, onde a minha família ainda vive. Curiosamente, antes disso tinha vivido na “Rua José Dias Coelho”. Será que todos os que vivem nas ruas com este nome
(existem de norte a sul do país) sabem quem foi? José Dias Coelho nasceu em Pinhel, Guarda, a 19 de junho de 1923. Foi escultor, desenhador e pintor. A sua curta vida é marcada pela
militância política na luta pela transformação social e pelo compromisso de combate ao salazarismo e também por um percurso artístico. Tinha apenas 38 anos de idade quando a 19 de dezembro
de 1961 foi assassinado pela PIDE. A imagem de José Dias Coelho ficará ligada sobretudo à sua militância política, que resultou na sua trágica morte, imortalizada na canção de José Afonso A
Morte Saiu à Rua, remetendo para segundo plano o seu trabalho artístico. Sempre que vais a uma escola perguntas aos alunos: «Sabem quem foi a personalidade que deu nome à escola?» Raramente
sabem. Não sei se a culpa é dos professores, dos pais, ou total desinteresse dos próprios. Será que os alunos do Agrupamento de Escolas Luís de Sttau Monteiro, em Loures, sabem quem foi o
homem que deu nome ao Agrupamento? Bjs Querido neto, Sempre que chega o 25 de Abril lembro-me do meu amigo Luis de Sttau Monteiro que – logo numa das primeiras manifestações de 1974
inventou um grande slogan: «Se isto não é o povo, o povo onde é que está?»Se hoje perguntarmos a alguém muito mais novo quem era Sttau Monteiro, se calhar não sabe…Mas garanto-vos que, no
seu tempo, todos o conheciam. Romancista, dramaturgo, jornalista – foi bom em tudo. Conheci-o no tempo em que ambos trabalhávamos no Diário de Lisboa. Aprendi muito com ele e éramos muito
amigos. Tal como agora, nessa altura eu vivia na Ericeira. Anda não havia autoestrada e eu levava, de carro, uma hora e meia para chegar a Lisboa e outra hora e meia para regressar à
Ericeira. Uma vez o Sttau Monteiro olha para mim e diz «tu estás estafada, rapariga! Esta semana não vens trabalhar, ficas em casa». E eu, «ó Sttau, e os meus textos, quem é que os faz?!»
Ele pensou uns segundos e resolveu logo tudo: «Então fazemos assim: tu encontras um sítio onde haja um telefone, e ligas para mim só para me dizeres o número; desligas e depois eu ligo para
ti e tu ditas-me o teu texto» «Ó Sttau mas são aí umas sete folhas!» «E o que é que isso tem?» Naquela altura quase ninguém tinha telefone em casa, mas eu lembrei-me de um primo que eu tinha
chamado José Franco que vivia ali muito perto, e que era muito conhecido porque tinha uma grande olaria e fazia bonecos de barro que toda a gente ia ver como se fosse um museu. Liguei de lá
e foi tal qual o Sttau tinha dito. Só que a leitura do texto demorou horas: sete folhas, eu a ler e ele a perguntar «o quê? Repete lá que eu não percebi». E no fim rematou: «Agora vou
entregar na tipografia e esta semana fazemos sempre assim». E fizemos. Cada vez que me lembro que agora a gente escreve a última letra da última palavra, carrega numa tecla do computador e
está tudo entregue!! Mas acredita, há uns anos era mesmo assim… Bjs